Na
semana que passou ocorreu um fato importante, muito embora não tenha sido
explorado com o destaque merecido pela mídia, pelas autoridades e pela
sociedade em geral, porém de grande importância.
Refiro-me
a hostilização (expulsão) do Secretário de Segurança Pública do Estado de São
Paulo dos manifestos pró-impeachment que ocorria na importante avenida Paulista,
localizada na Capital daquele gigantesco Estado da Federação.
Na
ocasião o Secretário foi, segundo a imprensa, expulso do local e xingado com
veemência pelos manifestantes que lá se encontravam, obrigando que a mesma
autoridade deixasse às pressas a avenida, escoltado pela sua segurança pessoal.
(veja manchete: SECRETÁRIO DA SEGURANÇA PÚBLICA DE SP É EXPULSO DE PROTESTO NA
PAULISTA http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2016/03/secretario-alexandre-de-moraes-e-expulso-de-protesto-na-paulista.html
)
Segundo
noticiado pela própria secretaria e pela mídia, o Secretário foi pessoalmente
ao local para “desbloquear a avenida” não sendo, porém obedecido e ao contrário
foi de lá expulso.
Oportuno
mencionar que as Secretarias de Segurança Pública dos Estados, ou o nome que
esses órgãos levem em alguns Estados, não possuem nenhuma função executiva,
pois elas são articuladores políticos e implementam as políticas de segurança
pública dos respectivos governos que representam, e mais, seus titulares
(secretários) atuam como políticos e não como policiais, bem por isso não
possuem investidura policial nem mesmo temporária.
Como
todos sabem a Constituição Federal, lei maior do País, não prevê no Capítulo da
Segurança Pública artigo 144 caput,
esses órgãos e sim somente prevê as polícias para a execução da segurança
pública.
No
caso em questão, o que lá estava ocorrendo, na avenida Paulista em SP, era uma
manifestação pública e portanto uma questão de ordem pública, e quem possui a
missão constitucional no território nacional de PRESERVAR A ORDEM PÚBLICA como
POLÍCIA OSTENSIVA é a Polícia Militar através de seus integrantes investidos de
autoridade, observada a respectiva cadeia de comando interna existente.
E
mais, em muitos Estados as Secretarias de Segurança Pública (ou o nome que
ostente) se arvoram a diretamente, além de querer executar ações de segurança
pública – ordem pública, querer também atuar como polícia administrativa
especial, algo que não detém, autorizando e determinando locais para a
realização de manifestações. Isso é missão da Polícia Militar que possui,
segundo a farta doutrina existente, esse poder de polícia administrativa
especial.
Sobre
isso, inclusive podemos mencionar o Parecer da AGU de 2001 nº GM-25, aprovado pelo Presidente da República em 10.8.2001
e publicado no Diário Oficial de 13.8.2001, o qual nesta condição vincula as
ações da administração pública até que dispositivo lega seja aprovado e diz: “A polícia
ostensiva (Polícia Militar), afirmei, é uma expressão nova, não só no texto
constitucional como na nomenclatura da
especialidade. Foi adotada por dois motivos: o primeiro, já aludido,
de estabelecer a exclusividade constitucional e, o
segundo, para marcar a expansão da competência policial dos
policiais militares, além do "policiamento" ostensivo. Para bem entender esse segundo aspecto, é
mister ter presente que o
policiamento é apenas uma fase da atividade de polícia. A atuação do Estado, no
exercício de seu poder de polícia,
se desenvolve em quatro fases: a ordem
de polícia, o consentimento de polícia, a
fiscalização de polícia e a sanção de polícia. A ordem de polícia se contém num preceito, que, necessariamente, nasce da lei,
pois se trata de uma reserva legal
(art. 5º, II), e pode ser enriquecido discricionariamente, consoante as
circunstâncias, pela Administração.
... O consentimento de polícia, quando couber, será a anuência, vinculada ou discricionária, do
Estado com a atividade submetida ao
preceito vedativo relativo, sempre que satisfeitos os
condicionamentos exigidos. ... A fiscalização de polícia é uma forma ordinária e inafastável de atuação administrativa,
através da qual se verifica o cumprimento
da ordem de polícia ou a regularidade da atividade já
consentida por uma licença ou uma
autorização. A fiscalização pode ser ex
officio ou provocada. No caso
específico da atuação da polícia de preservação da ordem pública, é que toma o nome de
policiamento. Finalmente, a sanção de polícia é a atuação administrativa auto-executória que se
destina à repressão da infração. No
caso da infração à ordem
pública, a atividade administrativa, auto-executória, no exercício
do poder de polícia, se esgota no
constrangimento pessoal, direto e
imediato, na justa medida para
restabelecê-la.
Não resta dúvida que no caso em estudo, a
atuação é uma missão da Polícia Militar e não da Secretaria de Segurança
Pública, muito menos do Secretário individualmente.
Também é oportuno e necessário mencionar,
para que o Estado não invoque lei Estadual existente à respeito, que é competência
privativa da União legislar sobre a organização das Policiais Militares dos
Estados-membros, pois assim se expressa o art. 22, XXI, da Constituição
Federal:
Art.
22 – Compete privativamente à União Legislar sobre:
..................................................................................................
XXI
– normas gerais de organização, efetivos, material bélico, garantias,
convocação e mobilização das polícias militares e corpos de bombeiros
militares.
Uma
análise superficial do texto poderia conduzir a errônea exegese de que quem em
razão dele não estaria descartada a possibilidade de os Estados-membros
legislarem sobre a estrutura e competência da Polícia Militar, repassando suas
missões às Secretarias de Segurança Pública e/ou aos seus Secretários.
Como já foi salientado,
a Constituição Federal de 1988, em seu art. 22, parágrafo único, apenas prevê
que Lei Complementar outorgue aos Estados-membros competência para legislar
sobre questões específicas acerca das matérias relacionadas nesse artigo.
Entre essas matérias
encontra-se elencada a que é objeto da presente análise, qual seja, normas
gerais de organização.
Importante observar
que, a atual Carta Máxima não atribui competência imediata aos Estados-membros
para legislarem a respeito de organização.
Atinge-se essa
conclusão a partir de uma simples leitura do parágrafo único, do art. 22, da
Constituição da República, de clareza singular:
[...]
Parágrafo
Único - Lei Complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre questões
específicas das matérias relacionadas neste artigo.
[...]
Os Estados não podem
nem mesmo legislar sobre a matéria, pois é necessário que Lei Complementar (da
União) os autorize a fazê-lo. Depois, é necessário que essa Lei Complementar
defina as questões específicas sobre as quais os Estados podem legislar, isso
por si só, seria suficiente para demonstrar a manifesta inconstitucionalidade
referentes à atuação e a organização da Polícia Militar.
Ainda temos o que o
Supremo Tribunal Federal deixou expresso que a Lei que das Polícias Militares
dos Estados e considerada como se federal fosse. Assim, esse entendimento levou
a pensar que a lei local, se houver, em razão da natureza da matéria, estaria
obrigatoriamente submetida à observância da lei federal.
[...]
Colhe-se do voto
do Ministro Cordeiro Guerra:
(...) quando a
lei estadual faz a recepção de um texto normativo federal ela estatiza a
legislação; mas quando a legislação estadual está submetida obrigatoriamente,
pela natureza da matéria, à lei federal, não há apenas uma questão estadual,
porque a lei estadual não poderia dispor de modo diferente do Estatuto das
Polícias Militares ou do Regimento Disciplinar do Exército. Então acho que é
uma questão federal, porque não é uma matéria de legislação estadual, em que
ela incorporasse, eventual e facultativamente a legislação federal. É uma
matéria na qual a legislação estadual não tem competência para dispor. (RTJ
86/893).
Salientou com
acurada precisão o Ministro Osvaldo Figueiredo:
(...) as
Polícias Militares têm status constitucional, são forças armadas
auxiliares, como reserva do Exército Nacional, e seu regime jurídico é definido
pela legislação federal. (RDA100/108).
A atual Constituição,
após sucessivas reformas, reforçou o entendimento até aqui dissertado, pois
manteve o status constitucional de
muitos dos aspectos que integram a instituição militar estadual, mais
especificamente quando às normas de organização dessas, que devem seguir a
partir da Lei Federal, que hoje se consubstancia no Decreto-Lei 667/69 e seu
regulamento, o Decreto Federal 88.777/83 (R-200).
Referidas legislações
federais, em que pese serem anteriores a Constituição Federal de 1988, têm tido
a manifestação da União por sua recepção, consoante ao já mencionado Parecer GM
– 25, da Advocacia-Geral da União, e ainda Decreto Federal 3.897/2001.
Importante, no
entanto, mencionar que tal já não ocorre com a Polícia Civil, em que a
Constituição federal outorga ao Estado legislar concorrentemente com a União
sobre organização, garantias, direitos e deveres, nos termos do art. 24, XVI.
O tratamento jurídico
diferenciado atribuído à Polícia Militar deve-se a sua responsabilidade maior
como último recurso do Estado-membro na preservação da ordem pública.
Assim deve ser levado
em consideração o disposto no Art. 4º do Decreto-Lei 667/69 sobre a vinculação,
orientação, planejamento e controle operacional e não subordinação total aos
Órgãos de Segurança Pública dos Estados, os quais nem se quer são mencionados
no texto da Constituição Federal no que se refere a Segurança Pública:
[...]
Art. 4º - As Polícias Militares,
integradas nas atividades de segurança pública dos Estados e Territórios e do
Distrito Federal, para fins de emprego nas ações de manutenção da Ordem
Pública, ficam sujeitas à vinculação, orientação, planejamento e controle
operacional do órgão responsável pela Segurança Pública, sem prejuízo da
subordinação administrativa ao respectivo Governador
[...].
Também art. 45, caput, do Decreto 88.777/83, segundo a qual “a competência das Polícias Militares estabelecida no
Decreto-lei nº 667, de 02 de julho de 1969, na redação modificada pelo
Decreto-lei nº 2.010, de 12 de janeiro de 1983, e na forma deste Regulamento, é
intransferível, não podendo ser delegada ou objeto de acordo ou convênio”:
[...]
Art . 45 - A competência das
Polícias Militares estabelecida no artigo 3º,
alíneas a, b e c do
Decreto-lei nº 667, de 02 de julho de 1969, na redação modificada
pelo Decreto-lei nº 2.010, de 12 de janeiro de 1983, e na forma deste
Regulamento, é intransferível, não podendo ser delegada ou objeto de acordo
ou convênio. (grifado)
[...]
Como visto o Secretário
de Segurança Pública do Estado de São Paulo no episódio narrado, acabou
extrapolando sua competência como secretário e não é legítimo querer assumir
uma missão que pertence, segundo a Constituição Federal e a Lei, à Polícia
Militar.
Fica o alerta para que
as autoridades de segurança pública observem a lei e deixem para os
profissionais legalmente investidos de autoridade para conduzir ações de
EXECUÇÃO de segurança pública, e se atenham a atuação política quanto à vinculação,
orientação, planejamento e controle operacional.
Agindo assim os
secretários de segurança pública dos Estados e do Distrito Federal cumprirão seu
papel político e evitarão situações embaraçosas como ocorreu em São Paulo
recentemente, e por certo ocorre rotineiramente em todo o território nacional.